Aspectos Societários da Inteligência Artificial

Entendendo a IA

A Inteligência Artificial (IA) é uma tecnologia composta por redes neurais artificiais e sistemas computacionais, o que permite que as máquinas aprendam a executar atos rotineiros. Conforme Peter Skalfist et al. (2019), a Inteligência Geral Artificial (em inglês, Artificial General Intelligence – AGI) consiste na capacidade de uma máquina entender ou aprender qualquer tarefa intelectual que um ser humano pratica.

É importante ressaltar, no entanto, que apesar da nomenclatura utilizada poder gerar certa confusão, a inteligência artificial não é autônoma, isto é, não age por vontade própria, mas depende de criação humana para a elaboração de sua estrutura (BARRETO JÚNIOR; VENTURI JUNIOR, 2020, p. 340).

A ferramenta pode executar diversas ações típicas do cérebro humano, quando devidamente treinada, com uma capacidade de apresentar resultados mais rapidamente, uma vez que todos os conhecimentos são acessados e organizados em segundos.

E é justamente essa agilidade que tem trazido tanta popularidade a tecnologia. Ela é capaz de executar tarefas que levariam um tempo significativo se realizadas por humanos.

Embora a IA pareça uma inovação recente devido à sua popularidade crescente, suas raízes remontam à década de 1950, coincidindo com os primeiros desenvolvimentos computacionais. Contudo, só começou a tomar forma prática nas décadas seguintes, com avanços significativos em algoritmos e capacidade de processamento.

Claramente, a tecnologia que conhecemos hoje em dia não se assemelha aos seus protótipos iniciais; a evolução foi exacerbada e tem se aprimorado cada vez mais, auxiliando profissionais das mais diversas áreas devido à sua alta performance.

Atualmente, vemos a presença da IA em todos os lugares, como nos veículos automotores, onde sistemas de IA, tais como assistentes de estacionamento e pilotos automáticos adaptativos, demonstram o avanço da tecnologia na área do transporte.

Na área da saúde, ela é utilizada para analisar exames de imagem e auxiliar no diagnóstico precoce de doenças. Sem mencionar as assistentes virtuais em smartphones e dispositivos domésticos inteligentes, como Amazon Alexa e Google Home, que são usados para automatizar residências, responder perguntas, reproduzir mídia e controlar outros dispositivos inteligentes.

Esses exemplos ilustram como a inteligência artificial já é uma realidade integrada ao nosso cotidiano, transformando a maneira como interagimos com o mundo ao nosso redor.

Enquanto a IA traz eficiência e novas possibilidades em várias tarefas, ela também apresenta desafios significativos. A IA não possui senso crítico ou empatia, o que pode limitar sua atuação em certas profissões. Questões como segurança do trabalho e ética na automação são críticas, exigindo debates aprofundados sobre como integrar a tecnologia de forma responsável na sociedade.

Segundo Dora Kaufman, em sua obra “Desmistificando a inteligência artificial”, os sistemas de IA carecem da essência da inteligência humana: a capacidade de compreender o significado. Apesar de todos os esforços, houve pouco progresso em dotar a IA de senso intuitivo, de capacidade de formar conceitos abstratos e de fazer analogias e generalizações.

Esses sistemas baseiam-se em comandos predeterminados, o que, em certos contextos, pode aumentar o risco de falhas e comprometer a segurança das partes relacionadas. A literalidade no processamento de comandos pode levar não só a erros operacionais, mas também expõe os sistemas a vulnerabilidades de segurança.

Além disso, como qualquer tecnologia digital, os sistemas de IA são susceptíveis a ataques cibernéticos, exigindo medidas robustas de proteção de dados e monitoramento contínuo para tentar mitigar esses riscos.

Regulamentação da matéria pela legislação

A importância de um marco regulatório para IA no Brasil se torna cada vez mais evidente à medida que essa tecnologia se integra profundamente em diversos setores da economia e do nosso dia a dia, conforme já exemplificado. Atualmente, existe diversas discussões sobre essa regulamentação em andamento, mas obviamente que o lento processo legislativo não acompanha a rápida evolução das tecnologias.

Entre elas, o Projeto de Lei nº 5051/2019, de autoria do Senador Styvenson Valentim, propõe estabelecer princípios básicos para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. Já o Projeto de Lei nº 872/2021, do Senador Veneziano Vital do Rêgo, dispõe especificamente sobre as condições de uso da IA, buscando criar um marco regulatório mais detalhado para essa tecnologia. Por fim, o Projeto de Lei nº 21/2020, apresentado pelo Deputado Eduardo Bismarck, visa estabelecer os fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e aplicação da inteligência artificial, propondo uma estrutura abrangente que inclui aspectos diversos de sua implementação.

O principal objetivo dessas regulamentações é garantir que o desenvolvimento no Brasil ocorra de forma responsável e segura, promovendo inovações enquanto protege os direitos das partes envolvidas. Questões como transparência, equidade, segurança, responsabilidade dos desenvolvedores e usuários de sistemas de IA e a proteção de dados pessoais são assuntos centrais nesses debates.

É fundamental que o marco regulatório brasileiro esteja alinhado com as normas internacionais, considerando as diretrizes estabelecidas por organizações como a União Europeia, que já possui um conjunto mais avançado de regulamentações.

Ademais, outra ideia, seria a criação de um órgão regulador específico para a IA, que seria responsável por monitorar a aplicação das normas, avaliar os riscos associados a novas tecnologias e facilitar o diálogo entre desenvolvedores, usuários e entidades governamentais.

Dessa forma, ao estabelecer um ambiente regulatório robusto e adaptativo, o Brasil pode usufruir tranquilamente dos benefícios proporcionados pela IA, além de mitigar riscos potenciais, liderando a inovação tecnológica com responsabilidade e segurança.

Instrução Normativa DREI nº 1

O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração mostrou que não fica para trás quando o assunto é IA. Recentemente publicou a IN 1 que anunciou alterações as já existentes 81 e 77 de 2020, demostrando um esforço contínuo para modernizar e otimizar os processos administrativos relacionados às empresas no nosso país.

A Instrução Normativa trouxe o conceito de “visual law”, que nada mais é que o uso de recursos visuais para tornar a informação jurídica constante e um instrumento mais acessível e compreensível para as partes envolvidas no negócio e para um terceiro que eventualmente precise interpretar as disposições.

O Visual Law inclui a utilização de infográficos, vídeos explicativos e outras ferramentas visuais que podem ajudar na compreensão. Essa abordagem simplifica os termos, mas deve ser utilizada com cautela, o negócio jurídico não pode perder a seriedade.

É abordado ainda o uso da IA para automatizar a análise de grandes volumes de documentos, acelerando processos como o registro de empresas, a análise de conformidade e até mesmo a previsão de cenários econômicos ou jurídicos que possam impactar o ambiente empresarial.

A função dos órgãos de registro empresarial é fundamentalmente verificar se os documentos submetidos cumprem com os requisitos estabelecidos pela legislação para o registro. Esse processo, essencialmente mecânico, envolve a análise criteriosa dos documentos para assegurar que todos os critérios necessários sejam atendidos conforme as normas aplicáveis a cada tipo de ato empresarial.

Nesse contexto, a implementação da Inteligência Artificial (IA) pode significativamente aumentar a eficiência e a precisão desse processo. A IA, equipada com acesso às regulamentações e normas atualizadas, pode rapidamente verificar e analisar os documentos, identificando com alta exatidão se estes atendem aos requisitos necessários.

Tal tecnologia não só agiliza o processo como também reduz a margem de erro humano, proporcionando um serviço mais confiável e eficiente para o registro empresarial.

As alterações trazidas são um exemplo claro que as autoridades brasileiras estão comprometidas com a modernização e a adaptação às novas tecnologias. Essas mudanças não apenas melhoram a eficiência e a transparência dos processos de registro empresarial, mas também fortalecem um sistema mais ágil e adaptado às necessidades atuais das empresas.

O uso da IA no Direito Societário

O uso da IA no Direito Societário pode oferecer um potencial transformador na rotina das empresas, especialmente para delegação de tarefas que demandam análise repetitiva e extensiva de documentos.

Exemplificando, consideremos a obrigação do administrador de uma empresa. Ele deve apresentar relatórios detalhados de prestação de contas semestralmente. Essa tarefa, que exige apreciação minuciosa de documentos e compilação de informações, pode ser significativamente otimizada com o uso da IA.

A tecnologia tem a habilidade de processar e analisar grandes volumes de dados com rapidez e precisão, facilitando o dia a dia e permitindo uma gestão mais eficaz e estratégica das informações corporativas. A análise de documentos que demoraria semanas ou até mesmo meses, pode ser feita em minutos.

A rapidez na execução não somente economiza tempo do gestor, mas também libera recursos de humanos para que estes possam se concentrar em atividades que exigem um nível mais profundo de análise crítica, conhecimento técnico e tomada de decisão estratégica.

Outro exemplo seria seu uso em Assembleias Gerais. A IA pode contribuir para a transcrição precisa das discussões, assegurando que todos os atos e decisões sejam meticulosamente documentados em ata.

A tecnologia também é capaz de auxiliar na elaboração de modelos de documentos padrões, como memorandos e notificações internas, que são frequentes utilizados no contexto societário e geralmente não requerem especificações complexas.

Mas atenção, o uso deve ser responsável. É crucial que todos esses documentos sejam validados por um advogado especializado na área. A IA, por mais avançada que seja, ainda opera com base em parâmetros e dados previamente definidos e pode não captar nuances legais e especificidades que apenas seriam interpretadas por um profissional.

A comum prática de utilização de modelos prontos, pode trazer complicações significativas. Ao utilizar sempre um mesmo documento para situações diferentes, claramente sabemos que ele não vai atender as especificidades. Isso pode resultar em documentos que não protegem adequadamente os interesses da empresa ou que deixam de incluir cláusulas indispensáveis.

Além disso, os modelos prontos podem não estar atualizados com a legislação vigente, as leis brasileiras são extremamente dinâmicas, temos mudanças legislativas todos os dias, todas as horas.,

A tecnologia jamais será capaz de captar todo contexto fático da situação. No direito a aplicabilidade dos regramentos muitas vezes é mitigada em vista do caso concreto, “tudo depende”.

Por exemplo, a elaboração de um contrato societário envolve não apenas a redação de cláusulas padrões, mas também a compreensão e incorporação de aspectos específicos da situação particular daquela empresa, a regra que é aplicada amplamente em um local, pode não ser útil em outro ambiente.

Qual imagem sua empresa passará ao mercado quando apresentar um modelo de contrato raso, sem cláusulas essenciais para resguardar aquela relação? Já pensou como isso pode afetar inclusive suas relações comerciais? Contratos bem elaborados e pensados para aquela situação especifica refletem um nível de profissionalismo e cuidado.

Portanto, embora a IA possa oferecer suporte valioso na automação de tarefas administrativas e documentais, a intervenção e orientação de um advogado são indispensáveis para garantir a validade e a adequação dos documentos produzidos.

A incorporação da IA no direito societário, deve ser vista como uma ferramenta para complementar o trabalho do profissional da área. A utilização criteriosa dessa tecnologia, sob a supervisão de um especialista, pode trazer eficiência e precisão ao ambiente corporativo, mantendo a segurança jurídica necessária para a operação de qualquer empresa.

Referências

ICMC Junior. Inteligência Artificial. [Consult. 20 de abril de 2024]. Disponível em: https://icmcjunior.com.br/inteligencia-artificial/

KAUFMAN, Dora. Desmistificando a inteligência artificial. Grupo Autêntica, 2022. E-book. ISBN 9786559281596. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559281596/. Acesso em: 26 abr. 2024.

SKALFIST, P. et al. Inteligência Artificial: a quarta revolução industrial. Tradução de C.S.B Equipment. [Cambridge]: Cambridge Stanford Books, 2019.

BARRETO JUNIOR, Irineu Francisco; VENTURI JUNIOR, Gustavo. (2020). Fake news em imagens: um esforço de compreensão da estratégia comunicacional exitosa na eleição presidencial brasileira de 2018. Revista Debates. Porto Alegre, v. 14, n.1, p. 04-35, jan./abr. 2020.

Por Dra. Renata Chandocha

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